Uma pesquisa do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (USP), que estudou casos de linchamento de 1980 até 2006, constatou que o Brasil é o país que mais lincha no mundo. Nesse período, foram 1179 casos. O Estado do Rio de Janeiro aparece em segundo lugar com 204 justiçamentos. Em primeiro vem São Paulo, com 568. 

Mortos assim são estudados há quatro décadas pelo sociólogo José de Souza Martins, professor da USP que acaba de lançar mais um livro sobre o tema ‘Linchamentos – A Justiça Popular no Brasil’. Sua última pesquisa traz dados aterrorizantes. Ele analisou 60 anos de justiçamentos e concluiu que mais de um milhão de brasileiros já participaram de tentativas de linchamento no país. 

No estudo, 2.579 pessoas foram alcançadas por linchamentos consumados e tentativas de linchamentos. Apenas 1.150 (44,6%) foram salvas. Outras 1.221 (47,3%) foram capturadas pela população e agredidas — feridas ou mortas. 
“A tendência dos linchamentos é crescer, porque as instituições públicas não se mostram eficazes no cumprimento de suas funções”, resume o sociólogo. Em sua visão, os linchamentos são acontecimentos punitivos e de ódio. 

“Os linchamentos expressam uma crise de desagregação social. São muito mais do que um ato a mais de violência. Expressam o tumultuado empenho da sociedade em ‘restabelecer’ a ordem onde foi rompida. Esses linchamentos, são claramente punitivos e, na maioria das vezes vingativos”, conclui o autor, professor catedrático da USP.

Agressores gostam de se filmar 
A autora da pesquisa do Núcleo de Violência da USP, Ariadne Natal, alerta para um outro problema. De acordo com ela, o recurso da tecnologia (filmagem) nesses atos, são vistos de uma forma positiva para os agressores. 
“Aqueles que filmam e compartilham destes vídeos, estão alimentando a visibilidade do ato. Esse fenômeno, que se limitaria a um contexto local, ganha uma dimensão muito maior. A exposição dos casos pode ter um papel de difundir a prática e criar um ambiente favorável a novos casos linchamentos”, disse a pesquisadora. 
Ainda segundo ela, os comentários destes vídeos parabenizam os populares pela ação. Com isso, fica claro que aquele tipo de ação não é condenável, mas aceitável e até mesmo desejável.

Identidade com a vítima
O perfil de quem agride ou lincha alguém não é totalmente conhecido. Segundo a psicóloga Aline Gomes, o comportamento agressivo e a atitude de atacar, tomada por um cidadão de bem, podem ter relação com a identificação da pessoa com o agredido. 
“O que faz essa pessoa que nunca se envolveu em uma briga agir assim são os valores que a regem. No momento em que algum ato fere a moral deste cidadão de bem, ele passa a querer justiça”, resume. 
Normalmente a identificação com a vítima aflora o sentimento. Essa pessoa passa a ter um comportamento agressivo porque se põe no lugar da vítima. Nesse momento, sua parte racional fica apagada e somente a parte emocional ‘comanda’. “Ela então toma atitudes irracionais”, comenta a psicóloga.

Linchamentos não são aleatórios e atingem mais pobres
Segundo a pesquisa, não é qualquer pessoa que pode ser desumanizada e, portanto, linchada. As potenciais vítimas de linchamento carregam consigo a marca daquele que pode, em última análise, ser eliminado”, aponta Ariadne  Natal, pesquisadora do Núcleo: “Tanto que é muito raro identificarmos uma vítima de classe média entre as vítimas de linchamento. E não porque não haja, entre a classe média, quem cometa crimes”.
Ela destaca que a análise das causas de justiçamentos devem levar em conta dinâmicas macrossociais, como a falta de políticas de infraestrutura e habitacionais, que podem levar moradores de determinadas áreas a buscarem mecanismos privados para a resolução dos problemas.